Juliana Passos
A edição de genes a partir do sistema CRISPR (sigla em inglês para Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas) é uma revolução recente na genética e sua popularização inspira inúmeras experiências caseiras, filmes e séries. Na ficção, essa capacidade de edição está comumente associada à correção de erros e à possibilidade de adição de características positivas. Artigo publicado por pesquisadores da Universidade Federal Fluminense (UFF) e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), já disponível na revista Infection, Genetics and Evolution, traz nova evidência de que as bactérias que o contém são menos resistentes a determinados antibióticos e possuem menor virulência, característica diretamente relacionada à capacidade de causar doença.
A publicação é a primeira etapa de um estudo conduzida pelo pesquisador Felipe Piedade Gonçalves Neves, vinculado ao departamento de Microbiologia e Parasitologia do Instituto Biomédico da UFF. O próximo passo da pesquisa – para a qual ele conta com recursos obtidos pelo programa Jovem Cientista do Nosso Estado da FAPERJ em que foi contemplado – é realizar a edição de genes da bactéria enterococos, responsável por colonizar o intestino dos seres humanos e também por provocar infecções hospitalares. “As variantes dessa bactéria, que não contém sistemas CRISPR, são em geral mais resistentes ao principal antibiótico utilizado para o tratamento de cepas resistentes, a vancomicina. Nosso objetivo é tornar essas variantes suscetíveis ao medicamento com a introdução do sistema”, diz Neves.
No caso das bactérias com o CRIPSR associado à proteína Cas9, capaz de cortar material genético ao ser guiado por uma molécula de RNA (ácido ribonucleico) chamada de RNA guia, ou gRNA, o sistema funciona como defesa de organismos procariotos – os organismos mais primitivos – contra a entrada, por exemplo, de DNA estranho nas células como vírus bacterianos, os chamados bacteriófagos. Já as cepas de enterococos mais resistentes possuem uma maior permissividade para a entrada de DNA estranho por não terem sistemas CRISPR, e uma das hipóteses é a de que consigam incorporar DNA exógeno de maneira mais eficiente. “Uma possibilidade para a edição gênica nessas bactérias é a de introduzir um sistema CRISPR (contendo especificamente gRNA e Cas9) a partir de bacteriófagos e assim não atingir células humanas”, comenta o pesquisador.
De acordo com o biólogo, a possibilidade de transformar uma bactéria resistente em vulnerável existe, e a técnica de execução é relativamente simples na teoria e in vitro. “Hoje nossa velocidade de testes e descobertas está muito atrás, comparada à capacidade das bactérias de se adaptarem e se tornarem resistentes”, enfatiza. O pesquisador também cita as previsões feitas a partir de um estudo conduzido pelo governo britânico de que em 2050 as bactérias resistentes serão responsáveis por um número muito maior de mortes do que o câncer e, por isso, existe uma corrida para as terapias alternativas.
Vale lembrar que as pesquisas em torno da utilização da tecnologia CRISPR estão em sua maior parte no campo das possibilidades e cerceadas por inúmeros debates éticos. Um dos problemas é a capacidade de precisão do corte (edição gênica), que pode facilmente afetar outras partes do genoma da célula. Na China, onde as pesquisas nessa área têm avançado com menos barreiras éticas, cientistas foram condenados por fazer edições em células embrionárias humanas, uma mudança que passa a ocorrer em todas as gerações seguintes. Entre as boas promessas da edição gênica de pesquisas em curso, Neves menciona os testes para fazer com que o sistema CRISPR desative determinados genes de células cancerosas, permitindo que o sistema imune combata melhor o câncer.